Socorro! Minhas crianças misturam tudo!
Um fenômeno extremamente comum – e esperado – no processo de aprendizagem de uma segunda língua é conhecido por code-switching. Em sua definição mais ampla, code-switching se refere a qualquer alternância entre duas línguas, o que pode acontecer dentro da mesma fala (meu ice cream tá gelado) ou em sentenças diferentes. (I don’t like it! É ruim!).
E por que essa alternância entre idiomas acontece? Pesquisadores de concepções teóricas diferentes explicam este fenômeno a partir de pontos de vista diferentes. Alguns acreditam que ele acontece quando a criança não tem repertório suficiente e busca em outra língua o que lhe falta para preencher seu discurso, outros explicam que a separação entre os idiomas não é tão demarcada na primeira infância. Qualquer que seja a razão, sabemos que o code-switching acontece e está presente na produção de nossas crianças.
A literatura também traz alguns outros nomes para esse fenômeno de alternância, com alguns autores chamando de code-mixing quando o falante não tem a intenção de alternar e code-switching quando a alternância é proposital. No entanto, o termo code-switching é usado de forma abrangente, para se referir a qualquer tipo de alternância, então foi o termo que escolhemos aqui. Até mesmo porque, para que a alternância seja intencional, é preciso um nível de proficiência que permita ao sujeito bilíngue “brincar” com a língua de forma consciente. Sabe quando você chega na sala das professoras e fala: Gente, fiquei sabendo de um babado un-be-lievable! Então, code-switching!
Um artigo publicado em 2020 na revista Bilingualism: language and cognition por Erin Smolak nos traz alguns insights importantes para o contexto brasileiro de ensino de uma língua de prestígio:
- Crianças trazem mais palavras de sua língua majoritária quando estão falando a minoritária do que o contrário (colocam o português quando estão falando inglês mais do que adicionam palavras em inglês quando estão falando português).
- Crianças tendem a usar mais fonemas da língua a que têm mais exposição (usam sons do português quando estão falando inglês).
- Crianças tendem a usar construções gramaticais da língua a que têm mais exposição (I have four years).
- Crianças fazem code-switching de content words muito mais frequentemente do que function words.
Bem, nada que a gente não observe em sala todos os dias, né? É superimportante poder ver que aquilo que observamos em nossas crianças está documentado e que, sim, faz parte do processo de aprendizagem!
Isso também nos mostra que não devemos achar que estamos fazendo alguma coisa errada quando acontece essa alternância entre línguas. No entanto, quando a criança usa a estratégia de code-switching, devemos fazer uma intervenção para modelar para ela ou para o grupo a forma como ela poderia se expressar usando apenas a língua alvo. Por exemplo:
C- Miss, I don’t want bolo!
T- Oh, you don’t want cake?
C- No.
T- That’s fine, you don’t want cake. That’s cake, can you say “I don’t want cake?”
C- I don’t want cake.
Outra consideração importante é que o code-switching, apesar de ser uma estratégia comum na comunicação bilíngue, não deve ser usado pela professora. Você é modelo de língua e é responsável por um input de qualidade, então não produza frases como: Hora do snack! Coloque sua jacket na sua bag. Esse tipo de fala pode até trazer um resultado – as crianças entendem o que é para fazer – mas elas estão privando seu grupo de ter acesso a um input de qualidade, um elemento necessário para a aquisição de uma língua. Lembre-se: você tem o compromisso de ensinar uma segunda língua!


Referência:
Smolak, E., De Anda, S., Enriquez, B., Poulin-Dubois, D., & Friend, M. (2020). Code-switching in young bilingual toddlers: A longitudinal, cross-language investigation. Bilingualism: Language and Cognition, 23(3), 500-518. doi:10.1017/S1366728919000257